sábado, 21 de junio de 2008

Multinacionales Chinas

Art. Revista Exame.O governo Chinês deu a seus empresários a ordem de conquistar o mundo. Pelo menos 50 empresas nacionais deveriam estar na lista das 500 maiores do planeta até 2010. Na época,1997, apenas três figuravam no ranking. Hoje há 24. Essa mudança de atitude deu origem a dezenas de candidatos a potência. A consultoria americana Boston Consulting Group radiografou a economia chinesa e apontou 42 companhias locais como gigantes emergentes — duas vezes mais que a Índia e três vezes mais que o Brasil.
A construção de empresas globais é um processo, sobretudo, lento. A Coréia do Sul levou mais de 30 anos até que seus chaebols, conglomerados formados com forte incentivo estatal, pudessem competir com os rivais japoneses e americanos. Hoje, Samsung, LG e Hyundai são o que são — mas levou tempo e os passos foram cuidadosos. A trajetória das empresas chinesas tem enormes semelhanças com o que aconteceu com as grandes coreanas. A primeira delas é o apoio incondicional do Estado. Bancos estatais emprestaram dinheiro a fundo perdido a esses grupos, o que encheu de esqueletos o sistema financeiro dos dois países. Em seus primeiros anos, essas empresas produzem sob encomenda de multinacionais. É a hora de copiar tecnologias e aprender. O passo seguinte é produzir com marca própria os itens mais baratos do mercado. Depois, exportá-los. Nas primeiras fases, as margens são ínfimas e ganha-se pouco dinheiro. Daí o desejo natural de ter uma marca forte: quem consegue pode cobrar mais caro e incrementar os lucros. Essa foi a parte mais demorada e complexa da trajetória de empresas como Samsung e LG. E é aqui que suas histórias deixam de ser parecidas com as das chinesas. Os chineses não querem subir degrau por degrau. Eles querem ter marcas globais — e rápido.
Pode ser paradoxal, mas essa pressa toda é um sinal de fraqueza, não de força. Multinacionais brasileiras, como Gerdau e Vale, só partiram para a conquista de outros mercados após se tornarem líderes absolutas no Brasil. Com operações ultra-rentáveis no mercado interno, sentiram-se seguras para ir às compras em terras desconhecidas. Na China, acontece o oposto. Os maiores destaques do país no cenário internacional são empresas que sofrem enormes dificuldades no mercado chinês. Como todas as multinacionais do planeta estão na China, a concorrência é ingrata para as marcas locais. Para companhias globais, como Toyota, Samsung e Whirlpool, o crescimento oferecido pelo mercado chinês compensa eventuais perdas causadas pelo excesso de competição. Mas as empresas chinesas não têm onde recuperar os prejuízos. A saída é conquistar outros mercados, e rápido. A montadora Chery, terceira maior do país, é um exemplo desse fenômeno. A China é o segundo maior mercado do mundo para a indústria automotiva e é disparado aquele que mais cresce. Mais de 100 montadoras disputam seus consumidores, e as fabricantes locais se dão mal nessa briga. A venda de carros pequenos e baratos, especialidade das marcas chinesas, cresce apenas 4% ao ano. Em compensação, a venda dos carrões das grandes montadoras cresce quase 50%. Para sobreviver, as montadoras locais são obrigadas a vender por preços 30% menores. Vender nesse cenário é difícil. Lucrar é impossível.
Para fugir da cilada, a Chery anunciou há três anos planos de exportação para Estados Unidos e Europa: até 2012, venderia 1 milhão de carros nesses mercados. Os mais otimistas viram ali o nascimento da nova Toyota. Com os baixos custos de produção obtidos na China, a Chery se tornaria um competidor imbatível. Havia, porém, muitas razões para ceticismo. Afinal, o grande motivo da fama da Chery era a acusação de copiar o compacto Spark, da GM, para fazer seu modelo mais popular, o QQ. Uma credencial para lá de duvidosa, portanto. Um analista chegou a ver nas pretensões da Chery um caso clássico de alguém que tentava correr antes de saber andar. Aparentemente, estava certo. Os problemas da Chery não demoraram a aparecer. No mercado russo, um dos primeiros em que a montadora entrou, testes de colisão feitos por revistas especializadas mostraram carros chineses sendo destruídos como papelão. As imagens logo foram parar no YouTube, num golpe de antimarketing fulminante. Para resumir a história: os ambiciosos planos tiveram de ser revistos. E a Chery ainda não conseguiu vender um só carro nos Estados Unidos. “Se mesmo os chineses preferem as marcas globais às locais, não há como imaginar que consumidores de outros países agiriam de forma diferente agora”, diz David Michael, presidente do Boston Consulting Group na China.
Como o histórico da Chery demonstra, há obstáculos demais no caminho de quem tenta construir uma marca global a toque de caixa. Para não cometer erros semelhantes, outras empresas chinesas optaram por um caminho diferente — comprar marcas que já existem. A fabricante de computadores Lenovo também sofria com a concorrência no mercado chinês. Sob imensa pressão em seu único mercado, a empresa optou por um passo drástico — comprou a divisão de computadores pessoais da IBM por 1,25 bilhão de dólares. “Não há dúvida de que a Lenovo viu a compra da IBM como uma resposta a seus problemas domésticos”, escreve James Kynge no livro A China Sacode o Mundo. A aquisição deu à Lenovo notoriedade mundial, acesso a tecnologia e o direito de usar a marca IBM por cinco anos. Mas o negócio não resultou no impulso esperado. Nos últimos quatro anos, a Lenovo foi ultrapassada pela taiwanesa Acer na terceira posição do mercado de computadores.
As potências emergentes
O gráfico mostra o número de empresas globais em ascensão em China, Índia, Brasil, México e Rússia.China 41, India 20, Brasil 13, Mexico 7, Russia 6. Fonte Boston Consulting.
Apesar dos desafios, a Lenovo adotou uma estratégia tida como exemplar na aquisição da IBM. Manteve a sede da empresa nos Estados Unidos e deu a executivos e pesquisadores americanos alto grau de independência, o que evitou um choque cultural de proporções dantescas. A aquisição da fabricante de TVs européia Thomson pela chinesa TCL, em 2004, teve final diferente. O negócio criou a maior fabricante de TVs do mundo, mas foi um fracasso completo. A empresa francesa estava em plena decadência, e faltou aos executivos da TCL competência para mudar o jogo a seu favor. A sede da empresa foi transferida para a China, e de lá os executivos não encontraram uma forma de reverter a decadência da Thomson. Anos depois, os chineses foram obrigados a simplesmente fechar sua operação européia e assumir centenas de milhões de dólares em prejuízos. “Há uma distância muito grande entre a ambição das empresas chinesas e a realidade”, disse a EXAME Xiongwen Lu, reitor da escola de negócios da Universidade Fudan, a maior de Xangai. “Os executivos chineses não têm a menor idéia de como funcionam outros mercados. E, acredite, ainda vão demorar muito para aprender.”
Não deixa de ser curioso que a mais bem-sucedida empresa chinesa na arena global seja justamente a que cresceu comendo pelas beiradas. A gigante Huawei, que fabrica equipamentos de infra-estrutura de telecomunicações, decidiu não bater de frente com os rivais ocidentais. Em vez disso, apostou em mercados emergentes, como Tailândia e Indonésia, deixados de lado pelos concorrentes. Ao mesmo tempo que ganhava espaço, investia em inovação. Metade de seus 68 000 funcionários se dedica a pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. O investimento anual beira 1,5 bilhão de dólares. Nos últimos anos, a Huawei abriu laboratórios de desenvolvimento em Dallas, Estocolmo, Bangalore, Moscou e Vale do Silício. Logo se tornou a maior patenteadora da China, com quase 5 000 invenções certificadas. As tecnologias patenteadas são usadas em equipamentos para redes de telefonia e aparelhos de celular. Hoje, a Huawei fatura 16 bilhões de dólares. E mais de 70% de seus clientes estão fora da China.
O exemplo da Huawei colocou a inovação na moda na China. No ano passado, o país se tornou o segundo no ranking dos que mais investem em pesquisa e desenvolvimento, um total de 136 bilhões de dólares. À sua frente, apenas os Estados Unidos. “Quem não investir em tecnologia vai morrer”, diz Yang Dongming, diretor da Changhong, uma das maiores empresas de eletrônicos da China. A empresa faz de tudo: aparelhos de ar condicionado, TVs, geladeiras, celulares, aparelhos de MP3 e GPS. São 48 subsidiárias, que faturam 5 bilhões de dólares. No ano passado, os executivos da Changhong decidiram que criariam a Samsung da China e passaram a desviar um terço do lucro para seus cinco centros de pesquisa. A empresa contratou uma firma internacional para inventar um novo nome, palatável ao consumidor ocidental (como fez a LG, que antes se chamava Lucky Goldstar). Mesmo que consigam desenvolver produtos inovadores, empresas como a Changhong estão fadadas a encontrar uma enorme má-vontade do consumidor americano. Em 2007, uma pesquisa do The Wall Street Journal e da rede de TV NBC mostrou que 82% dos americanos não confiam em produtos chineses, sentimento agravado pelo recente recall de bonecas da Mattel feitas na China. A Haier, por exemplo, não consegue ganhar dinheiro nos Estados Unidos — justamente porque só vende produtos baratos, enquanto as rivais Whirlpool e Electrolux reinam nos segmentos mais rentáveis.
Apesar dos tropeções dos primeiros anos, há uma espécie de consenso de que o futuro das empresas chinesas é global. Há dois motivos para isso. O primeiro é a tendência de valorização do yuan, que vai tornar as fábricas chinesas menos competitivas e forçar a instalação de unidades em outros países. O outro motivo é a notória escassez de matérias-primas, que faz da China um devorador de recursos naturais do mundo inteiro. É aí que podem surgir outros obstáculos. Esse apetite gera enorme ansiedade nos países ricos, que vêem na ascensão da China uma ameaça a seus interesses. A tentativa de compra da petrolífera americana Unocal pela estatal chinesa CNOOC causou comoção no Congresso dos Estados Unidos. A transação era uma ameaça à segurança nacional americana, diziam os congressistas contrários ao negócio. A compra foi barrada, e a Unocal acabou nas mãos da Chevron. A visão de que a China é uma compradora insaciável ganhou força quando o fundo soberano chinês, com 200 bilhões de dólares em caixa, adquiriu participações no fundo de private equity Blackstone e no banco de investimento Morgan Stanley, duas das mais importantes instituições de Wall Street. Para amenizar a gritaria dos protecionistas americanos, as empresas chinesas estão se aliando a companhias ocidentais em suas tentativas de aquisição. A Huawei quis comprar a empresa de telecomunicações americana 3Com por 2,2 bilhões de dólares e para isso se juntou ao americaníssimo fundo Bain Capital. Mesmo assim, o governo vetou a idéia. É provável que a Haier também entre na disputa pelo braço de eletrodomésticos da GE com um parceiro americano, dividindo a gestão do negócio. Talvez os chineses estejam concluindo que o século 21 será mesmo deles — e que ambição e pressa demais vão atrapalhar em vez de ajudar.

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